ÚLTIMOS DIAS DA EXPOSIÇÃO INDIVIDUAL DO ARTISTA YANOMAMI VENEZUELANO SHEROANAWE HAKIHIIWE

 

A memória oral, a cosmogonia e as tradições ancestrais do povo yanomami da comunidade do artista, na Amazônia venezuelana, são traduzidas nos 48 trabalhos da mostra

 

Sheroanawe Hakihiiwe, Pisha hena [Folha], 2021

Foto: Cortesia Galería ABRA/María Teresa Hamon
 

Até 24 de setembro de 2023

 

MASP — Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand apresenta, até 24 de setembro de 2023, a mostra Sheroanawe Hakihiiwe: tudo isso somos nós, que ocupa a galeria localizada no 1o subsolo do museu. Com curadoria de André Mesquita, curador, MASP, e David Ribeiro, assistente curatorial, MASP, a exposição reúne 48 trabalhos, dentre eles desenhos, pinturas e monotipias, que resgatam tradições ancestrais, a memória oral e os saberes cosmológicos de sua comunidade yanomami, localizada no município de Alto Orinoco, na Amazônia venezuelana.

 

Sheroanawe Hakihiiwe (Sheroana, Alto Orinoco, Amazônia venezuelana, 1971) é um artista visual yanomami, que atualmente vive em Mahekoto Teri, também em Alto Orinoco. Hakihiiwe começou a produzir na década de 1990, depois de seu encontro com a artista mexicana Laura Anderson Barbata. Juntos, desenvolveram uma técnica de produção de papel com fibras vegetais nativas – material que o artista utiliza como suporte para seus desenhos. Desde então, o artista passou a desenvolver desenhos mínimos e delicados, com padrões e símbolos coloridos e texturizados sobre a vasta e intensa relação que sua comunidade tem com a paisagem, sendo sua obra uma revisão contemporânea da cosmogonia e do imaginário yanomami.

 

"O trabalho que faço nestes papéis é próximo de todo o universo que conheço com a uriji [floresta], que vejo quando ando por ela acompanhado das pessoas da comunidade e da família. As diferentes fontes das tintas que usamos para fazer os pigmentos. Também conheço os animais e as plantas, seus rastros e como se movem na floresta. O shapori [xamã] fala comigo e me conta sobre as coisas, animais falam por meio dos xamãs, os espíritos nos ajudam", conta Sheroanawe Hakihiiwe.

 

O subtítulo da exposição Ihi hei komi thepe kamie yamaki [Tudo isso somos nós] foi uma sugestão do artista para incorporar a diversidade de elementos que formam sua comunidade e seu entorno. Com 48 trabalhos, a mostra do MASP apresenta uma pequena parte desse universo a partir de desenhos, pinturas e monotipos produzidos sobre papéis artesanais com o uso de fibras nativas como cana, algodão, amoreira, banana e milho. Com cores e texturas distintas, esses suportes não são como os papéis neutros produzidos industrialmente, pois necessitam lidar com e contra o tempo em sua materialidade e conservação.

 

O universo simbólico de Hakihiiwe está diretamente relacionado ao sentido da sua produção. O curador André Mesquita conta que "o artista trabalha de modo contínuo criando pinturas, monotipos e desenhos únicos, séries sobre um mesmo tema e motivos visuais que se reiteram. O artista também tem um cuidado com a preservação: seu trabalho é um ato de memória redefinidor de relações, leituras, relatos e visões acerca das percepções e das noções de representação, arquivo, registro, observação, sonho, tecnologia, natureza, cotidiano e história. Para que não se percam, para que não se tornem invisíveis todos esses conhecimentos, ele busca preservá-los em um trabalho de defesa e persistência de uma memória coletiva reconstruída e materializada em sua obra".

 

Nesse entrelaçamento de práticas, espécies, saberes e vidas, Hakihiiwe propõe um trabalho de tradução de imagens e materiais de valores culturais comunitários. Em diversos desenhos e pinturas, o artista usa tintas vegetais fabricadas artesanalmente e extraídas de folhas, frutas, animais e madeiras. Na monotipia Jena riye riye [Folha verde] (2021), Hakihiiwe traz 24 folhas verdes em uma disposição que lembra um tratado de botânica, com cuidado especial dado à representação de suas nervuras. "O trabalho denota o olhar extremamente minucioso que o artista lança sobre os elementos da natureza, mesmo quando tomados em uma de suas expressões mínimas: uma folha", reflete o assistente curatorial David Ribeiro.

 

Os direitos do povo yanomami habitante do território venezuelano foram reconhecidos pela legislação local em 1999, de modo semelhante ao que é garantido pela Constituição brasileira no que se refere ao direito à diferença, ou seja: sua organização social, política e econômica, bem como suas culturas e espiritualidades, línguas e territórios. Segundo Hakihiiwe, esse reconhecimento não impede, entretanto, a existência de ameaças reais e cotidianas aos Yanomami. O artista relata a tristeza que sente ao ver o rio Orinoco poluído, impedindo que as crianças possam brincar e se banhar nele. Ele também relata a destruição causada por não indígenas e que já levou à morte e ao desaparecimento de duas comunidades inteiras: "Não estamos muito bem agora".

 

"Realizar uma exposição de Hakihiiwe no ano das Histórias indígenas, no MASP, significa apresentar ao público histórias de luta, sobrevivência e resistência, mas também de beleza, diversidade e criação, atentando para a responsabilidade, para a proteção, para os cuidados coletivos, para o pensamento crítico e para a preservação dos povos originários, de seus conhecimentos ancestrais e das pluralidades de suas culturas e territórios", pontua Mesquita.

 

Sheroanawe Hakihiiwe: tudo isso somos nós integra a programação anual do MASP dedicada às Histórias indígenas. Este ano a programação também inclui mostras de Carmézia Emiliano, MAHKU, Paul Gauguin, Melissa Cody, além do comodato MASP Landmann de cerâmicas e metais pré-colombianos e a grande coletiva Histórias indígenas.

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