O jornalista Pedro Bial é o convidado de Bárbara Paz no "A Arte do Encontro" desta quarta, dia 8, às 21h30, no Canal Brasil. No comando do "Conversa com Bial", na Globo, ele discorre sobre morte, religião e amor, enquanto lê trechos de obras de Guimarães Rosa, Vinicius de Moraes e August Strindberg. Leia abaixo: Morte – Eu fui apresentado a ela quando meu pai morreu, eu era muito moleque, me senti muito traído, abandonado, enganado. Vou falar de algo mais recente, comigo, tive uma coisa no coração, fiz uma cirurgia, e essa dama indesejada da gente apareceu na minha frente, e eu depois de ter muito medo e depois desse medo ser tão grande que se revelou inútil — porque o medo quando ocupa todos os espaços não serve mais para nada — me deu pena, me deu um dó de ir embora tão cedo, a festa está boa, e eu nem aprendi a dançar ainda. Mas desde então eu estou pensando muito nisso, escrevendo sobre isso, fui provocado pelo Drauzio (Varella, médico) que escrevesse sobre a experiência.
É curioso, não sei se isso se passa com o luto também, mas acho que sim, alguém escreveu sobre a tragédia da Chapecoense, que as coisas vão voltar ao normal, a bola vai rolar de novo, e que alguma coisa se perde. Era a história de alguém que lutou contra a leucemia e que ficou de cara com a morte, e quando começou a voltar à vida, ele passava pelos parques e olhava e cada árvore tinha um significado profundo, e tudo se revestia de um brilho, de uma profundidade, até que foram passando os dias, as semanas, os meses. Um dia ele já estava passando por aquele mesmo caminho e reclamando do trânsito (risos).
Eu gostaria de não perder esses sentimentos trágicos que nos trazem esses momentos, o momento da dor, do luto, da perda, do medo extremo de enfrentar a morte. Isso é muito bonito de dizer, o "quero viver cada dia como se fosse o último", mas ninguém aguentaria viver o tempo todo nesse nível de intensidade, mas também esquecer o milagre, esquecer o espanto?!, pra falar o termo que o Ferreira Gullar tanto usava, "disfarçar o espanto".
Fé – Eu não acredito em porra nenhuma, aí não posso dizer que tenho fé. E isso é mal de profissão. Eu não conheço nenhum jornalista que acredita em alguma coisa, pelo menos nenhum bom jornalista, e eu me considero um jornalista razoável. Então eu não posso dizer que tenho fé em nada, agora eu tenho muito, muito claro um deslumbramento diante de tudo, eu não cesso de me espantar, de me assombrar, de acordar "Caramba, tô vivo, olha a árvore", sou besta diante do fato de estar vivo, sentir dor, sentir prazer, e isso gera um sentimento de gratidão. E aí eu acho que é o mais próximo da fé, essa coisa de estar grato, porque se eu estou grato por estar vivo, eu deveria estar grato a alguém ou algo, né? É isso que você pode chamar de Deus, mas que eu não chamo.
Passagem do Tempo – Eu sempre fui muuito ansioso, isso está um pouquinho melhor, estou um pouquinho mais calmo, neste sentido está bom, olho pra trás sou uma pessoa melhor de quando era jovem, não está ruim não. Queria que demorasse bastante para passar. Minha vida inteira eu tive uma atitude diante das coisas, dos projetos, das coisas que sonhava, "não, tudo bem, se não for pra agora, depois, mais tarde, o que são 10 anos, 10 anos não são nada?", e realmente 10 anos podem não ser muita coisa, mas 20 já são alguma coisa. Eu estou começando a perceber que certas coisas é melhor não esperar mais 10 anos, não, é tomar providências logo. Vinicius de Moraes – O meu grande amigo de infância foi o precocemente falecido Cazuza, um grande poeta. A gente foi criado junto, estudamos juntos dos 4 anos de idade até 20 e poucos. Na vida adulta eu fui mais pro lado careta de jornalismo, mas a gente sempre se encontrava e era uma festa. A gente estudava junto no Santo Inácio quando pediram que a gente fizesse uma entrevista com alguém importante. Não se falava de celebridade naquela época. O João Araújo, pai do Cazuza, conseguiu que o Vinicius (de Moraes) nos recebesse, e foram dois meninos com 10, 11 anos, e a gente era muito competitivo na coisa intelectual, um lia o negócio o outro lia igual, e o outro lia uma coisa mais difícil ainda, com 11 anos a gente conhecia versos de cor do Vinícius. ele recebeu a gente dentro da banheira, bebendo uísque, aquele Vinícius arquetípico, viu que a gente conhecia coisas dele, ele não tinha saco pra criança, mas gostou da gente, e passamos o dia lá, de 10, 11 da manhã até de noite. E ele deu uísque pra gente, tomamos um porre. Até morrer, há pouco tempo, o João Araújo falava disso.
Amor – É o que cola os cacos da vida, né? É o que dá sentido, empresta sentido à existência, é o que nos difere dos vermes, também não quero presumir que os vermes não se movam por amor, né, esse negócio de achar que sentimentos muito nobres como amor, o altruísmo, são só exclusividade humana, é um negócio desumano (...), é fácil eu te responder sobre o amor, o amor que tenho pela Maria, pela minha mulher, pelos meus filhos, mas isso além de um pouco íntimo, é clichê também. O amor que é revolucionário e que nos desafia é uma atitude de pensar num projeto da espécie, um projeto humano, acho que as coisas vêm melhorando, mas esse amor por quem não faz parte da sua família (...).
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