César Lacerda faz versão bossa nova para clássico de Pitty e recebe Maria Gadú em dueto no álbum "Tudo Tudo Tudo Tudo"
Texto por Marcus Preto
diretor artístico.
Quando me juntei a César Lacerda para fazer com ele esse "Tudo Tudo Tudo Tudo", (YB Music/Selo Circus) nossa principal ambição era construir um álbum cujas canções desviassem totalmente das arestas, dos rabiscos, dos ruídos e de outros vícios estéticos que têm servido de enfeite ao som da cena independente brasileira desde o começo dos anos 2000. Queríamos canções bonitas e letras diretas. E que, por isso, valessem para um espectro maior de pessoas, não apenas aos poucos interessados em música indie. O desejo era de capturar os ouvidos atentos e também os distraídos, agregar a universidade e a rua, unir zona norte e zona sul.
Em alguma medida, fomos guiados pelos feitos de Rita Lee, a artista que, no final dos anos 1960, inventou a cartilha da música indie brasileira que vale até hoje, mas que jamais ficou parada nela. Ao contrário, rasgou essa cartilha e escreveu outra nos anos 1970, quando se tornou nossa maior roqueira. E mais uma, ainda mais rica, nos 1980, quando fundiu de uma vez por todas o rock e a MPB. Rita se tornaria grande estrela pop justamente nesse momento, ao juntar em sua música as várias pontas de um Brasil desigual que pouco se via e nunca conversava. Buscávamos a mesma coisa. Não buscávamos pouco.
Ficamos obstinados. E César passou a compor compulsivamente sob esses preceitos. Uma ideia minha, já antiga mas ainda inédita, norteou o começo do processo: levar o rock "Me Adora", de Pitty, à praia da bossa nova. César testou o arranjo no violão e - sucesso! - essa releitura se tornou um dos primeiros eixos do álbum. É também a única canção de "Tudo Tudo Tudo Tudo" que não foi escrita por César. Outro eixo foi a canção "Por um Segundo", parceria dele com Romulo Fróes escrita sob encomenda para Paulo Miklos. Doce e sem exibicionismos harmônicos, ela não foi gravada pelo ex-Titãs por questão de timing. Mas nos serviu muito para definir a linguagem que buscávamos.
Antes de levar o repertório a Elisio Freitas, o produtor musical que vestiria cada faixa com a pretendida simplicidade e desejada elegância, César fez uma série de "demos", acompanhando-se ao violão ou ao piano. O baú chegou a quase 30 canções inéditas, muitas muito boas, outras ótimas, das quais escolheríamos mais oito - todas essas escritas por César sozinho, música e letra. E, seguindo nosso desejo de não replicar vícios do indie, jamais ficaríamos presos a um mesmo gênero. Há, portanto, balada ("Por que Você Mora Assim Tão Longe?"), bossa ("Isso Também Vai Passar"), samba-canção ("Percebi seus Olhos em Mim"), pagode do Recôncavo ("Marrom da sua Cor"), pop com tempero country ("Sei Lá, Mil Coisas"), blues ("Fim da Linha"), funk ("O Homem Nu"), folk ("Quando Alguém"). Essa última ganhou a participação de Maria Gadú, que divide os vocais meio a meio com César Lacerda.
Multi-instrumentista, o próprio César toca os violões de aço e de náilon que amarram quase todas as faixas. Também são dele o piano de "Percebi seus Olhos em Mim", as flautas de "Me Adora" e o glockenspiel de "Isso Também Vai Passar". Elisio Freitas se revezou nos teclados, sintetizadores, baixos, violões, guitarras, percussão e programações. O time de instrumentistas conta ainda com as participações especialíssimas de Vitor Cabral (bateria), Rafa Castro (piano), Maria Beraldo (clarinete), Luiza Brina (violão de sete cordas), Nahor Gomes (flugelhorn), Thais Morais (violino) e Filipe Massumi (violoncelo). Os arranjos de corda são de César Lacerda.
Outro dado importante de "Tudo Tudo Tudo Tudo" é o novo registro que César encontrou para sua voz. Diferentemente do que acontecia nos três álbuns anteriores do artista mineiro (e em quase toda a discografia indie brasileira), ela surge mais clara, delicada e definida. Não se perde em malabarismos desnecessários, não está escondida atrás de efeitos e nem enterrada nos arranjos. A voz aproxima. Essa lição Rita Lee aprendeu com João Gilberto. E também está entre os itens essenciais na cartilha da inventora do pop brasileiro. Trazer para perto em vez de excluir. É isso o que de fato nos interessa agora.
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