As pessoas estão trocando o interesse na música pelo hábito de assistir a demonstrações
Compositor de trilhas sonoras, músico de jazz vê na tecnologia terreno fértil para a produção e a divulgação, mas também a diluição dos conteúdos e uma mudança de hábitos
O avanço da tecnologia que permite a um músico, iniciante ou não, produzir um disco em sua casa e divulgá-lo na web também faz com que as pessoas tenham menos paciência para prestar a atenção no que realmente ouvem.
Em linhas gerais esta é a opinião do professor de música e criador de trilhas sonoras, contrabaixista líbano-brasileiro, Zuzo Moussawer, 49 anos. "As pessoas não têm mais paciência para ouvir um disco do começo ao fim, ouvir uma discografia de um artista, pegar realmente quais são os caras que são referências".
A "algoritmização" da navegação na internet cria fenômenos, comenta o músico. "O vídeo de um garoto tocando uma guitarra em seu quarto pode atingir milhões de visualizações sem que ele tenha tarimbado conteúdo musical, gravado um disco, ou feito shows. Está se trocando o interesse pela música por ficar vendo vídeo de demonstrações de quanto se toca ou não".
Radicado em Santos, litoral de São Paulo, com especialização em trilha sonora pela mundialmente referenciada Berklee College of Music, em Boston, nos Estados Unidos, a paixão de Zuzo é dar aulas. Prepara centenas de estudantes anualmente. Com vários trabalhos musicais lançados, cinco CDs, dois shows em DVDs, três vídeo aulas, Zuzo está livre para compor pelo simples prazer de compor. Mantém atualmente um trabalho com um trio, compõe para orquestra e prepara trilhas para filmes. Halloween party (longa metragem, eua), Love letters, Hear me (curtas, EUA), Martial arts 360 (série, EUA), Peão (longa metragem /documentário, Brasil) são algumas trilhas compostas por ele. Seus álbuns podem ser ouvidos em todas as plataformas digitais e no site do músico.
Na forma de perguntas e respostas ou tópicos e comentários, a entrevista a seguir permite a livre edição.
[Zuzo Moussawer - Divulgação 1] |
Você traçaria a pedido uma linha do tempo na música comercial e não comercial?
Aqui no Brasil tem muita gente boa fazendo música de qualidade. Claro que eles não têm espaço na grande mídia. Não podemos nos basear na grande mídia para dizer que este pessoal não está produzindo. Eles estão sim; tem muita gente de qualidade, tão boa quanto o pessoal lá de fora, inclusive muitos até melhores.
Hoje em dia está meio bagunçado com esta cultura do Youtube e das redes sociais em que as pessoas não têm mais paciência para ouvir um disco do começo ao fim, ouvir uma discografia de um artista, pegar realmente quais são os caras que são referências. O cara fica surfando no Youtube, por exemplo, fica vendo muita bobagem, pega um vídeo de um garoto qualquer que tá tocando no quarto dele, que faz um "se vira nos trinta", e ele vê porque tem dois milhões de visualizações. Dali os algoritmos já levam o sujeito a surfar na internet e clicar em outros caras que são tão ruins quanto. Mas, que têm três milhões de visualizações. Isto está substituindo o hábito de ouvir música e isso é muito triste.
Está se trocando o interesse pela música por ficar vendo vídeo de demonstrações de quanto se toca ou não. Então, parece que a qualidade já não é o mais importante.
Outra coisa é o interesse por apenas uma música de um artista. Eu sempre fiz discos conceituais. Sempre gostei de fazer discos que tenham começo, meio e fim, além das músicas dizerem alguma coisa, mesmo sendo música instrumental.
Sempre houve e sempre haverá música comercial. Ela é de péssima qualidade em todos os sentidos; letra, harmonia e arranjos estão cada vez piores. Infelizmente é assim; a grande maioria ouve. Se você faz parte da minoria, você não pode querer que a grande maioria consuma o que você está fazendo, porque não é democrático.
Tecnologia ...
A tecnologia para produzir ajudou bastante. Hoje em dia quase todo mundo tem condições de produzir em casa um CD, ou um single. Tem programas de computador que fazem o que um estúdio fazia e está ao alcance das mãos de todo mundo. Tem equipamentos relativamente baratos, perto do que você tinha que comprar antigamente. Você produz, por exemplo, apenas uma bateria fora e o resto você produz em casa. Então isto está fazendo com que muita gente se autoproduza e a internet também é uma maneira de você divulgar o seu trabalho. Só não esqueça que todo mundo está fazendo a mesma coisa. Há uma enxurrada de materiais sendo divulgados nas redes sociais e no Youtube e aí acabam se perdendo os critérios de qualidade.
Avatar...
Sou casado, tenho uma filha. Moussawer é brasileiro de origem libanesa. Sou filho de pai e mãe libaneses. Nasci em São Paulo. Estou na música desde 1985. Com quatro anos na música comecei a dar aulas; então já estou lecionando há 32 anos.
O início de tudo...
Comecei em 85 tocando bateria; na verdade eram uns baldes. Eu não tinha condições de comprar uma bateria na época. Já tocava algum violão. Ganhei o primeiro quando tinha sete anos de idade. Tudo de ouvido e depois passei para o baixo porque eu tinha uns amigos que precisavam, na época de escola, de um baixista para a banda. Eu peguei um baixo sem saber como se afinava. Fazia umas afinações completamente malucas, que não são as afinações que se usam no contrabaixo e eu tirava as músicas de ouvido com essas afinações malucas e dava certo. Não sei como, mas dava certo. A gente conseguia ensaiar e tocava. Já com 15 anos eu dei meu primeiro show com uma banda de heavy metal, chamada Warkings, e logo depois eu entrei numa banda chamada Druídas, com Mauro Hector (guitarra) e Plínio Romero (bateria), que são caras que tocaram depois comigo no meu trio. O Plínio tocou comigo no DVD "Em casa". O Mauro é um grande parceiro de música e a gente toca junto há muito tempo. Toquei cinco anos na banda Mr. Green e depois na banda Santa Claus.
Tem músicos na família?
Eu não tenho músicos na família. Meu tio e minha mãe cantavam como hobby. Músico mesmo, eu sou o único. Não tive nenhuma influência direta de familiares em relação a tocar. Tive amigos que foram grandes influências para mim, como o Alexandre Blanc, guitarrista e o Mauro Hector. Quanto a referências externas, bom, aí depende, porque não sou ligado só em contrabaixo. Eu tenho muito este lado musical de me basear em outros instrumentos também. Sempre tive muito a influência de guitarristas, pianistas, saxofonistas e trompetistas, além dos baixistas. Por exemplo, Jaco Pastorius, Victor Wooten, Stanley Clarke; fora do baixo, Charlie Parker, Miles Daves, Chick Corea, Herbie Hancok, Dave Weckl, entre outros.
[Zuzo Moussawer - Divulgação 2] |
Ouço de tudo ...
Eu gosto de ouvir e tocar de tudo, desde jazz, rock, além do blues. Toco jazz e música brasileira até hoje. Sou muito ligado também em música erudita, porque escrevo para orquestra. Meu último disco foi com um quarteto de cordas, com contrabaixo. Eu sou ligado também em trilhas sonoras, porque eu me formei na Berklee, nessa especialização. E aí tem vários caras nessa linha, como Ennio Morricone, John Willians e James Newton Howard. Na MPB eu gosto de Lenine e Djavan, entre outros. São muitas influências de todos os lados.
No começo, enquanto eu estava baseado em contrabaixo, eu ouvia os músicos das bandas que eu tocava, como Steve Harris, Gene Simmons, Cliff burton e outros de rock pesado. E aí o tempo foi passando, e fui conhecendo outros baixistas de nível mais avançado, como Stuart Hamm, Billy Sheeran, Victor Wooten, Michael Manring, John Patitucci e Alain Caron. Com o tempo isso foi incorporando dentro do meu estilo musical.
Uma voz própria ...
Quanto a ter uma técnica, um estilo, uma voz própria, desde o começo eu tive esta tendência. Eu sempre me baseei nos músicos de fora. E lá fora existe uma obsessão no músico, dele criar uma identidade própria, uma marca registrada, ser original. Claro que você acaba sendo um pouco das suas influências, mas uma maneira que eu encontrei de não ser igual, por exemplo, ao Jaco Pastorius, foi ouvir o maior número de baixistas possível e, principalmente, me guiar em outros instrumentos também.
Estudo e intuição ...
Olha, em relação à inspiração e transpiração, eu sempre estudei muito, mas eu também sempre fui muito intuitivo, toquei muito de ouvido. Eu sou autodidata; eu não tive professor formal até ir para a Berklee. No máximo, o que eu fiz foram alguns meses de aulas com um professor guitarrista, mas eu nunca tive um estudo formal mesmo, especialmente com baixistas. Sempre fui muito de tocar de ouvido, fazia muitas coisas sem saber o que estava fazendo e isto me instigou a estudar e descobrir o que eu estava fazendo teoricamente. Até pelo fato de que eu gosto muito de dar aulas e precisava de material para ensinar, que é a minha principal profissão. Ao mesmo tempo eu sempre tento criar técnicas, harmonias e melodias que sejam fruto de uma voz própria. Essa voz própria é fruto de uma mistura de "zilhões" de influências. Quanto ao modo de tocar, eu tenho espaço para o improviso. Meus grooves são feitos de improvisos, os solos são todos improvisados e ao mesmo tempo tem muita coisa que é trabalhada artesanalmente, nota por nota. Então é uma mistura do improviso com as composições, de um modo artesanal. Eu busco sempre este equilíbrio entre as duas coisas.
Bagagem artística e humana ...
A bagagem em geral ajuda a moldar o ser. A gente é fruto das nossas experiências, do que a gente viveu. Então, em outras culturas a pessoa com mais experiência é muito valorizada porque em tese ela tem uma bagagem muito maior. E na música não é diferente. Quanto maior a sua bagagem, melhor você é como músico, sem dúvida. Agora, depende da bagagem.
Simplesmente se você for tocar um estilo de música muito popular, que não é o que você quer desenvolver como músico de jazz, por exemplo, talvez essa bagagem não acrescente tanto na sua música, talvez acrescente em você como pessoa, como ser social, como pessoa que quer conviver com músicos numa banda, com produtores, com artistas em geral.
Eu acho que o que você acumula como ser musical é um misto da sua bagagem, das suas experiências, dos seus estudos, do seu talento e das suas influências.
Berklee College of Music ...
Eu fiz cinco anos de curso; os dois primeiros anos foram aqui no Brasil, na Faculdade Souza Lima/Berklee. Os outros anos, nos Estados Unidos, fazendo já especialização em trilha sonora, focando bastante na questão de orquestração, composição para orquestra, tecnologia, trabalhar com sequenciadores na parte tecnológica, arranjos e a trilha sonora em si. Estudei os grandes compositores, fiz várias trilhas.
Enquanto isso eu fiquei dando aulas em Boston e consegui conciliar com os estudos, o meu trabalho de professor. Eu também tocava lá, num trio com o baterista Alberto neto e o guitarrista Gustavo Assis Brasil.
O convívio no exterior ...
A minha experiência nos Estados Unidos foi muito grande, porque comecei a tocar em vários trabalhos de jazz. Antes eu só tocava com meu trabalho autoral. Os músicos que tocavam comigo eram brasileiros, mas tinham músicos americanos e de outras nacionalidades.
Uma escola com glamour ...
Realmente, a escola é muito boa, tem nível altíssimo, com uma estrutura muito grande. Eu fiz a Berklee porque não tinha nenhum curso similar de trilha sonora aqui no Brasil, na época, que ensinasse música como um todo. Aqui no Brasil eu dei aulas de pós-graduação no Rio (de Janeiro), em que a proposta era ensinar trilha sonora.
Bass Competition ...
Eu fui finalista de um concurso americano que é o International Solo Bass Competition, que elegeu o maior baixista solo. Eu fiquei finalista com outros três candidatos, um russo, um austríaco e um americano. Isso foi antes de eu ir para a Berklee. Eu fiquei em segundo lugar e isso abriu algumas portas nos Estados Unidos. Quando eu estava lá eu fui tocar em Nashville, no Bass Camp, que é o festival do Victor Wooten, além de tocar em casas de jazz em Boston e Los Angeles.
No momento ...
Meu trabalho musical no momento é dar aula, por enquanto. Estou fazendo composições para orquestra, sem nenhum trabalho específico. De vez em quando aparecem algumas trilhas para fazer. Fiz uma trilha recentemente, trilhas de filmes. Mas, o mais forte é que eu continuo dando aulas; aulas on line. E as composições para orquestra que estou fazendo sem nada específico. Só estou compondo por compor mesmo, coisa que eu raramente fazia. Eu sempre compunha; eu colocava na minha mente que eu ia ter uma meta de um disco e eu já compunha direto para aquele disco. Desta vez, não estou compondo para disco nenhum. Estou compondo livremente, mais pelo exercício da composição.
Sucesso ...
Minha ideia de sucesso não é glamour, turnês gigantescas, nada disso. A ideia é fazer o que eu gosto, bem feito, e com isso ter respeito e credibilidade. A medida dessa credibilidade e respeito não necessariamente é quantitativa. Ela pode ser proporcional ao que você está fazendo e a quem você quer atingir. Se você está tocando uma música como o jazz, não tem como você esperar que a sua música seja ouvida por milhões de pessoas. É diferente da fama. Na fama você atinge milhões, mas o sucesso é diferente, nele você atinge as pessoas que quer atingir, mas esse sucesso também acontece quando você atinge pessoas que dão respeito e credibilidade pelo seu trabalho.
Próximo passo ...
O próximo passo é compor para um CD/DVD com a formação que somos eu, Mauro Hector na guitarra e André Carneiro na bateria, no formato banda de jazz. E continuar compondo para orquestra, fazendo trilhas e shows. Show é uma coisa que eu quero muito fazer, cada vez mais.
Para ouvir Zuzo Moussawer no Spotfy clique aqui.
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